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O QUE É ORO? POR EDUARDO DE OXOSSI


Autor do texto: Pai Eduardo de Oxossi

Revisão e colaboração: Karina Fecchio Marin 
 

O ORO é o ritual presente nas religiões de matrizes africanas que envolve o sacrifício animal, é uma prática ritualística profundamente importante no culto aos Orixás, ritualísticas como Ebós e magias principalmente ligadas a Exu.

Esse ritual é mais presente em casas de candomblé, quimbanda e Umbandas Traçadas, cruzadas, omoloko, Umbandomblé e vertentes religiosas que simpatizam, compactuam e são adeptas destes fundamentos. Muitas vezes mal interpretado e alvo de preconceitos, esse ato carrega consigo um significado religioso e cultural de grande profundidade.

O objetivo do texto não é promover o posicionamento contra ou à favor do ritual, mas elucidar que ele existe e trazer algumas informações à respeito do ato nos terreiros brasileiros. 

 

A Importância do Oro

Para o povo do asé que vive e compactua com esses fundamentos, o oro não é um ato de crueldade, mas sim uma forma de oferenda aos Orixás, deidades que representam as forças da natureza e da vida. É através do oro que estabelecemos uma comunicação mais profunda com o divino, expressando nossa gratidão, realizando nossos pedidos e invocando forças de magia para corte de demandas, desobstrução de caminhos entre outras situações.

O sangue do animal, também conhecido como Ejé, é considerado a força vital, é oferecido como um alimento espiritual aos Orixás. Essa energia vital, em conjunto com as orações e cânticos específicos e de tradição, cria um campo vibratório que nos conecta com o sagrado.

Nas magias invertidas (amarrações, rituais de destruição e afins) é praticamente mandatório o uso do ritual de sacrifício animal, pois eles entendem que as entidades que serão envolvidas, invocadas, convocadas e ativadas naquele trabalho ganham força de magia com o sangue. 

O ritual do ORO é tão sagrado e não surgiu na terra para prática do mal, todavia, a escolha das inversões de magia está muito além da nossa moralidade. Estudiosos e praticantes de magia que adquirem o conhecimento tem a liberdade e o livre arbítrio de usar essa energia como bem entendem, o que não os livra das consequências dessas escolhas e da aplicação da lei divina, bem como o retorno das maldades que foram praticadas.

Na sua essência é importante ressaltar que o ORO é uma ritualística de amor, de prática do bem a quem o pratica, mas infelizmente, ele existe de forma invertida como também existe maldades invertidas com a comida seca, com as frutas, ervas e outros elementos de magia na religião. 

 

Cuidados e Respeito com os Animais

É fundamental ressaltar que o oro é realizado com o máximo respeito pelos animais. A escolha do animal é feita com base em preceitos religiosos e na necessidade específica de cada ritual. O abate é realizado por pessoas experientes, instrumentalizadas e com o mínimo de sofrimento para o animal.

Após o sacrifício, cada parte do animal tem um destino específico, seja como oferenda aos Orixás, para a alimentação dos participantes do ritual ou para outros fins religiosos. Nada é desperdiçado, pois tudo faz parte de um ciclo sagrado.

 

Causas que Precisam da Energia do Oro

O oro é realizado em diversas situações, como:

  • Agradecimento: Quando desejamos expressar nossa gratidão aos Orixás por bênçãos recebidas.
  • Proteção: Para pedir proteção contra energias negativas, doenças ou dificuldades.
  • Cura: Em rituais de cura, o oro pode auxiliar na limpeza espiritual e na restauração do equilíbrio energético.
  • Iniciação: Durante os processos de iniciação, o oro é utilizado para fortalecer a ligação entre o iniciado e seu Orixá.
  • Assentamentos: Para restabelecer o equilíbrio entre os elementos da natureza e as forças cósmicas, para limpar, fortalecer e empoderar assentamentos.

 

A Legalidade do Sacrifício Animal no Brasil: Um Olhar Mais Aprofundado

A questão do sacrifício de animais em rituais religiosos no Brasil é complexa e envolve um delicado equilíbrio entre a liberdade religiosa e o bem-estar animal. A Constituição Federal garante a liberdade religiosa, permitindo que indivíduos pratiquem seus cultos de acordo com suas crenças. No entanto, essa liberdade não é absoluta e deve ser conciliada com outros direitos, como o direito à vida e à dignidade dos animais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se manifestado de forma consistente sobre o tema, reconhecendo a constitucionalidade do sacrifício de animais em rituais religiosos, desde que realizados de forma adequada e sem crueldade. Em 28 de março de 2019, no julgamento do Recurso Extraordinário 494.601, o STF validou a Lei Estadual 12.131/2004 do Rio Grande do Sul, que permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana. O Plenário do STF, por unanimidade, entendeu que essa prática não se enquadra como maus-tratos, desde que respeitados os princípios de dignidade e respeito aos animais.

O presidente do STF à época, ministro Dias Toffoli, enfatizou que a decisão reflete a necessidade de proteger a liberdade religiosa, especialmente em um contexto em que as religiões afro-brasileiras enfrentam estigmatização e preconceito. Ainda, o ministro Edson Fachin, em seu voto, destacou que a menção específica às religiões de matriz africana não apresenta inconstitucionalidade, pois a utilização de animais é intrínseca a esses cultos e, portanto, merece uma proteção legal mais robusta.

 Assim, destaca-se que a liberdade religiosa  é um direito fundamental e que a proibição indiscriminada de práticas religiosas poderia levar à intolerância e à discriminação. Além disso, o Tribunal tem ressaltado a importância de se considerar o contexto cultural e histórico das religiões de matriz africana, nas quais o sacrifício animal possui um significado profundo e está ligado a aspectos fundamentais da fé.

É importante reiterar que a legalização do sacrifício de animais não significa que qualquer prática seja permitida. O STF tem estabelecido alguns critérios para a realização desses rituais, como a necessidade de que sejam realizados por pessoas habilitadas, em locais adequados e com o mínimo de sofrimento para os animais. Além disso, a legislação brasileira estabelece normas específicas para o transporte, abate e destinação dos animais utilizados em rituais religiosos, visando garantir o bem-estar animal e prevenir a disseminação de doenças.


A discussão sobre o sacrifício de animais no Brasil envolve diversos aspectos, como:

 

  • Bem-estar animal: A legislação brasileira estabelece normas para garantir o bem-estar dos animais durante o abate, buscando minimizar o sofrimento.
  • Saúde pública: As autoridades sanitárias monitoram os locais onde são realizados os rituais para garantir que não haja riscos à saúde pública.
  • Direitos humanos: A liberdade religiosa é um direito fundamental, mas deve ser exercida de forma a não violar os direitos de outras pessoas ou animais.
  • Diversidade religiosa: O Brasil é um país multicultural e a legislação deve ser capaz de contemplar as diferentes práticas religiosas existentes.

 

Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar dos avanços legais, a questão do sacrifício de animais continua sendo um desafio. A sociedade brasileira é marcada por uma grande diversidade de opiniões sobre o tema, o que gera debates acalorados e, muitas vezes, polarizados.

É fundamental que a sociedade brasileira continue discutindo essa questão de forma aberta e democrática, buscando encontrar soluções que conciliem a liberdade religiosa com o bem-estar animal. A educação e a conscientização da população sobre as diferentes religiões e suas práticas são essenciais para promover a tolerância e o respeito mútuo.

É importante que a sociedade compreenda o significado do oro para as religiões de matriz africana. Ao desmistificar essa prática, contribuímos para a construção de um mundo mais justo e tolerante, onde todas as religiões sejam respeitadas em sua diversidade.

O oro é um ato de fé para o povo daquele contexto sagrado e de respeito pela vida. É fundamental ressaltar que a prática do oro deve ser realizada por pessoas habilitadas e em locais adequados, seguindo os preceitos religiosos e as leis vigentes.

 

Minha casa não é adepta ao oro: tem problema?

Se a sua casa ou você é contra esse ato e não se relaciona com ele, fique tranquilo. É fundamental compreender que dentro das religiões de matriz africana existe uma grande diversidade de práticas, vertentes, ensinamentos, fundamentos, doutrinas, dogmas, rituais e crenças.

Nem todas as casas religiosas praticam o oro (sacrifício animal), aliás, a adesão das práticas e ritos mudam de casa para casa, de doutrina para doutrina. Algumas casas optam por outras formas de oferenda, como frutas, velas, bebidas, ou até mesmo orações e cânticos específicos e conseguem ótimos resultados em utilizar o sacrifício.

É importante ressaltar que a escolha de realizar ou não o oro é uma decisão que cabe ao sacerdote da casa. Ao médium e frequentador cabe procurar um local que esteja alinhado aos seus valores e desejos. Se o médium já é experiente e não tem vínculo com terreiros, ele é responsável pela sua caminhada. Não existe uma forma "certa" ou "errada" de cultuar os Orixás. O que importa é a sinceridade das partes, a devoção e fé daquele grupo e o respeito às diferentes tradições.

Apesar de não praticar o oro, é fundamental que as casas que não realizam essa prática respeitem as casas que a praticam. A intolerância religiosa não tem lugar nas religiões de matriz africana. É importante promover o diálogo e o respeito mútuo entre as diferentes linhas e vertentes dessas religiões. Somente assim as religiões de asé terão mais forças como grupo e vão parar de enfraquecer seu lugar de fala atacando um a casa do outro.


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