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O USO DE CABEÇA DE CERA NA UMBANDA - POR EDUARDO DE OXOSSI

 


1. A Presença da Cabeça de Cera nas Religiões de Matrizes Africanas

A cabeça, denominada Ori em Yorubá, é, sem dúvida, o ponto mais sagrado e vital do corpo humano nas religiões de matriz africana, sendo o centro da individualidade, do destino e do contato direto com o divino. É o receptáculo de Aiyê, a Terra, e o elo com Orun, o Céu, onde Olodumare (Deus Supremo) implanta o nosso Odu (caminho/destino) e a nossa personalidade única. Desta forma, o uso de representações da cabeça, como as de cera, é uma forma de manipulação ritualística focada diretamente na essência do ser e em seu caminho espiritual, potencializando qualquer trabalho mágico.

É no Ori que reside o Orixá de Cabeça, o "Dono da Coroa", aquele que rege a vida, o temperamento e o destino do indivíduo, além dos Orixás adjuntos e ancestrais que compõem a coroa espiritual de cada um. Este entendimento sacraliza qualquer objeto que represente a cabeça, transformando a simples cera em um poderoso instrumento de ligação direta com a egrégora do ser e seus guias. Portanto, ao se trabalhar com uma cabeça de cera, o sacerdote está acessando o centro vital e a estrutura espiritual máxima da pessoa, exigindo reverência e a mais alta responsabilidade.

A presença do elemento "cabeça" na prática religiosa vai além do assentamento do Orixá ou do Ori, manifestando-se em lendas, rituais de iniciação e na iconografia dos mistérios. O conhecimento sobre a dinâmica do Ori, seus componentes e a necessidade de mantê-lo bem cuidado e "limpo" é central. A cabeça de cera torna-se, então, uma ferramenta de intervenção direta nesse campo sagrado, seja para proteção, reestruturação, ou, em casos de magia negativa, para atingir o núcleo da identidade e do destino da vítima, o que ressalta a dualidade e o poder inerente a este instrumento.


2. Uso de Cabeças em Magias e Feitiços

A utilização da cabeça de cera é extremamente versátil no campo da magia, transitando com igual intensidade entre o espectro da magia invertida (negativa) e o da magia positiva (cura e harmonização). No polo negativo, ela se manifesta em feitiços de amarração, onde as cabeças são unidas ou justapostas para forçar a união de destinos; em trabalhos de separação, onde são posicionadas de costas, simbolizando a ruptura total do Ori e do Odu de duas pessoas. O extremo da maldade se manifesta em rituais de destruição, onde a cabeça é preenchida com materiais deletérios, enterrada em locais de energia densa (como cemitérios, lixões) ou derretida, buscando simular e causar a desestruturação total, o caos mental e a morte espiritual do alvo.

Por outro lado, no espectro da magia positiva, a cabeça de cera é uma valiosa aliada da cura e da ascensão. O uso da cabeça branca é frequentemente recomendado, em uma homenagem e respeito à vibração de Oxalá (o regente do Trono Masculino da Fé) e Iemanjá (que rege o Trono Feminino da Geração, atuando no psicológico e mental). A cor branca simboliza a paz, a pureza, a misericórdia, a harmonia mental e a reversão de quadros negativos. Um trabalho com a cabeça branca na linha de Oxalá é um recurso poderoso para desfazer feitiços invertidos, harmonizar o Ori e trazer o apaziguamento de causas, restaurando o equilíbrio do ser que foi afetado.

Embora o branco seja a cor mais reverenciada para o Ori, outras cores são usadas para finalidades específicas. A cabeça amarela, na vibração de Oxum, é muito utilizada para prosperidade mental, clareza para negócios e atração de recursos materiais através da inteligência e da criatividade. O azul claro pode ser empregado para estimular a criatividade, a geração de ideias e a comunicação clara. No entanto, na Umbanda Sagrada e nas práticas que priorizam o respeito ao Ori (o divino dentro do ser), a ênfase é sempre dada à cabeça branca, mantendo a vibração da fé e da luz, em concordância com o propósito maior de Oxalá, o Grande Orixá da Espiritualização e da Paz.


3. Exemplos de Elementos que Podem Compor um Trabalho de Cabeça

  • Canjica (Grãos Cozidos): É um elemento fundamental, principalmente em trabalhos para Oxalá e Iemanjá. Os grãos inteiros da canjica branca simbolizam a integridade e a limpeza do cérebro e do Ori. São usados com a intenção de restaurar a harmonia, o equilíbrio mental, a calmaria e o apaziguamento, além de promoverem a limpeza e o afastamento de energias negativas que afetam o raciocínio.
  • Mel: Elemento universal de doçura e atração. É utilizado para adoçar o temperamento, motivar, alegrar, desentristecer e trazer brilho ao Ori e ao Odu. Embora seja frequentemente usado em magias positivas (Oxum, Oxalá, Iemanjá), sua presença também é forte em feitiços de magia invertida, como a amarração, onde a intenção é forçar a doçura e a submissão.
  • Sabonetes: Usados principalmente na vibração de Oxum e Iemanjá, têm a função de limpeza, purificação e clareamento. Simbolizam a remoção das energias negativas e a restauração da "cútis" espiritual e mental, preparando a cabeça para receber a luz e a harmonia.
  • Rosas e Folhas (Ervas): A utilização de ervas depende intimamente do profundo conhecimento de fitoenergia e do fundamento das folhas por parte do médium. Se o sacerdote sabe que a Erva de Bicho, por exemplo, é usada para saúde, ele a incluirá em um trabalho para a cura da cabeça, potencializando a magia. Da mesma forma, uma rosa vermelha, fundamento da Pomba Gira para paixão, pode ser usada em um trabalho com cabeça vermelha para atuar no campo amoroso. Médiuns do T.U.S. Caboclo Pena Verde e Flecheiro de Aruanda, têm a referência das ervas no livro do Erveiro.
  • Velas e Magia de Pemba (Ponto Riscado): Especialmente na Umbanda, o uso de velas (na cor do Orixá regente do trabalho) e a consagração do ponto riscado com pemba são cruciais. A vela fornece a energia do fogo e a pemba, o elemento terra, firmando e ativando a Lei Divina e os Mistérios do Orixá ou Guia que está operando o trabalho de cabeça, selando os objetivos a serem alcançados.
  • Local de Despacho (Campo de Força): O campo de força onde o trabalho será despachado (Mata, Cachoeira, Praia, Encruzilhada, etc.) é escolhido conforme a finalidade do trabalho e o Orixá regente. O Médium  deve ter sabedoria sobre a dinâmica de cada local: a praia (Iemanjá) para o emocional, a cachoeira (Oxum) para a prosperidade, o cruzeiro (Obaluayê) para a cura, e assim por diante.
  • Princípio da Temporalidade (Dias, Luas e Estações): A eficácia do trabalho é potencializada ao considerar o dia da semana ideal (regido por Orixá), a fase da lua (crescente para aumento, minguante para banimento) e a estação do ano. O tempo que a cabeça deve permanecer no Congá, no pé do assentamento ou em casa antes do despacho é uma questão de fundamento e estudo do médium sobre a dinâmica temporal da magia.
  • Preces, Orações e Feitiços Escritos: O que é escrito no papel, inserido dentro da cabeça ou fixado nela (pedido, nome, verbo de ativação) demonstra a afinidade e o conhecimento do médium com a escrita mágica e os verbos de ativação (ex: "Clareio", "Afasto", "Adoço"). A composição desse elemento escrito exige a inteligência estratégica do sacerdote para direcionar a vibração e selar o objetivo final.


4. O Poder dos Sentidos

O uso dos sentidos na cabeça de cera é uma forma de direcionar as faculdades do Ori para a finalidade desejada no trabalho mágico. A cabeça de cera não é apenas um recipiente; é a representação integral da percepção humana. A manipulação da cera em áreas específicas como orelha, olhos, nariz e boca simboliza a ativação ou o bloqueio ritualístico desses canais de percepção no alvo.

Os olhos são o canal da visão, da clareza e da projeção do futuro (o Odu). Trabalhos para trazer clareza mental ou, inversamente, para cegar a pessoa para a verdade ou para certas oportunidades, manipulam esta área. Por exemplo, lavar a área dos olhos com água de flor de laranjeira visa trazer uma visão mais doce e próspera. A orelha representa a escuta, a recepção da palavra e a captação de mensagens do plano espiritual e material. O sacerdote pode selar as orelhas para que a pessoa não escute mais fofocas ou, inversamente, para que passe a ouvir apenas a voz da sua intuição e dos Orixás.

O nariz está ligado ao olfato, que é um sentido primal, e à respiração, o sopro da vida (o Exu que está na respiração). Trabalhos que visam a vitalidade, a saúde ou, em casos negativos, a asfixia ou o bloqueio da prosperidade (associada ao "cheiro" do sucesso), atuam sobre esta parte. Finalmente, a boca é o centro da palavra, da comunicação, do Axé (do poder de realização) e da alimentação. Selar a boca pode ser um trabalho de silenciamento contra fofocas ou de proteção da própria palavra da pessoa. Colocar mel ou açúcar nessa região visa adoçar a fala, trazer palavras de carinho ou reverter a maldição proferida, ativando, através do gesto, o poder da palavra na magia.


5. Cuidados com o Manuseio da Cabeça

O trabalho com a cabeça de cera exige uma elevação de consciência e um rigor ético que transcende o rito em si. Reconhecendo que a cabeça é a parte mais sagrada do ser humano, o templo onde reside o Ori e o Orixá, o médium deve abordá-la com o máximo de respeito, reverência e responsabilidade. O manuseio deve ser feito sempre em estado de prece e firmeza espiritual, preferencialmente após o preparo com banhos de descarrego, elevação e vestimentas adequadas, a fim de garantir que a energia manipulada seja pura e dirigida pelo Orixá.

A segurança e a proteção do médium são primordiais. Trabalhos com a cabeça de cera, por atingirem o núcleo do ser, podem gerar uma reação poderosa. O médium deve ter certeza de seus fundamentos, intenção e do campo de atuação do Orixá que está operando, agindo sempre sob a Lei Maior da Umbanda, que é o Amor, e o amparo da Justiça Divina.

Qualquer trabalho de magia que se utilize deste elemento deve ser pautado no princípio de "fazer o bem e não fazer o mal", evitando qualquer intenção que vise o desequilíbrio, a destruição ou o domínio do livre arbítrio alheio, preservando assim a pureza da prática e o alinhamento com a nossa religião. 


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